domingo, agosto 13, 2006

Pessoas que viram as costas aos animais...

Há cada vez mais pessoas que n?o viram as costas a um animal em sofrimento. E que fazem tudo para lhes arranjar uma casa.

O mais frequente é virar a cara, carregar no acelerador e fingir que n?o se viu o animal que caminha desaustinado ? beira da estrada, ou apressar o passo e tapar os ouvidos a um miado aflito. Mas há excepç?es. Há quem pare o automóvel e abra a porta para que o c?o entre. Ou se agache tentando cativar o gato assustado debaixo do carro.

Segue-se uma campanha para arranjar-lhes casa com recurso a ‘mails’, mensagens de telemóvel, conversas com amigos e colegas de trabalho. A maior parte das histórias acaba quando o primo do cunhado de um amigo está disposto a merecer o animal e a dar-lhe casa digna.

O David estuda na Caparica e vive em Lisboa. Naquele dia, na paragem do autocarro junto ? Universidade, viu um gato bebé com os olhos praticamente colados. Batia com a cabeça no muro. O David n?o seguiu no primeiro autocarro que passou. Foi buscar o gato, meteu-o no bolso do casaco e seguiram os dois para Lisboa.

O rapaz falou acerca do animal a toda a gente que conhecia. Acabou por entregá-lo a um empregado do marido da irm?. O casal e o gato mudaram-se entretanto para Ibiza. O David recebe com frequ?ncia fotografias do felino.

Quando a família do Putchy decidiu mudar de casa, e de vida, destinou o c?o ao canil municipal de Lisboa, onde seria abatido. Ana Maria Santos soube disso em conversa com a vizinha. “Eu via o c?o muitas vezes na rua. Brincava com ele. Ia custar-me muito deixar que o abatessem. “Ia custar-lhe mais viver com isso do que acolher o Putchy temporariamente em sua casa, enquanto tentava encontrar-lhe um lar permanente. Foi o que fez.

“Pedi a uns amigos que lhe tirassem fotografias digitais e enviei-as para sites na internet onde se promovem adopç?es de animais abandonados.” N?o foi logo nos dias seguintes mas o Putchy acabou por ganhar nova família. Pôde mesmo escolher entre duas candidatas.

"O MAIS IMPORTANTE É TER PACI?NCIA

O apartamento de Helena Cristina, professora, já serviu de entreposto a muitos gatos em trânsito. “O mais importante é ter paci?ncia e n?o entrar em desespero se n?o conseguirmos logo entregá-los. Acabamos sempre por encontrar alguém que fique com os animais.”Diz-lhe a experi?ncia que as histórias de resgate de bichos abandonados ou em sofrimento acabam bem. Helena já encaminhou cinco gatos bebés, “quatro brancos e um malhado”, cujo primeiro ‘berço’ foi uma caixa de leite.

Entregou-os a uma rapariga de Cantanhede. Encontraram-se a meio caminho, numa estaç?o de serviço. “N?o me esqueço da viagem porque os gatinhos miavam sempre que ligava a música.”Estes anjos da guarda dos animais aflitos s?o tenazes. N?o desistem diante da primeira dificuldade.

Carolina Martins, de 60 anos, também n?o. Sabendo que vários sites divulgam pedidos de auxílio a animais em perigo, Carolina, a quem recentemente morreu, aos 16 anos, o gato Alex, aprendeu o que era preciso para navegar na ‘net’. Foi assim que encontrou e levou para casa o Thomas. Coube-lhe um nome com ‘Th’ e vários apelidos com apóstrofo em homenagem a um antepassado da família.

Num país onde as férias dos donos s?o de pesadelo para gatos e c?es, abandonados aos milhares na altura do Ver?o, também há quem, como a Mariana e o namorado, de regresso de uma discoteca, ?s cinco da manh?, faça tudo para perceber de onde vem exactamente um miado aflito. Encontraram o bicho, fotografaram-no, colaram as fotografias em vários estabelecimentos comerciais de Lisboa.

Um casal, cliente de um clube de vídeo, que já tinha adoptado um gato, ficou com mais um, para fazer companhia ao primeiro.

O 'ESQUEMA'

Maria, professora de Coimbra, levou para casa uma gata que fazia vida perto de um café. Pouco depois, a gata brindou-a com quatro crias. Maria n?o desesperou. Tirou fotografias aos pequeninos e enviou-as por ‘mail’ aos amigos, pedindo que estes as enviassem aos seus amigos e estes aos deles e assim sucessivamente. Dois gatinhos já est?o entregues.

Um deles, uma gata preta com olhos cor de mel, vai para a casa de Ana Cristina, em Lisboa. Chega na próxima semana. Maria e Ana Cristina n?o se conhecem, mas há uma gata de p?lo negro e brilhante a uni-las. “Quase todos os meus amigos t?m animais domésticos. Dizem-me que em minha casa faltava um. Dizem-me que quando entram olham logo para baixo, ? espera que um c?o ou um gato venha encostar-se-lhes ?s pernas. Fiz-lhes a vontade – a eles e a mim também”, conta Ana Cristina entre risos.

Os contactos estabelecem-se de maneira informal, sem que os animais tenham de passar por canis ou gatis, completamente sobrelotados. Na base do ‘esquema’ está, por um lado, a incapacidade de virar as costas ao sofrimento de um animal e, por outro, a certeza de que há uma casa digna para cada gato e cada c?o abandonados ou maltratados. E, pelos vistos, há mesmo.

TRABALHO ÁRDUO E COMPAIX?O

O que fazer ante a enormidade do sofrimento infligido aos animais pelos seres humanos? Jane Goodall, primatóloga de renome mundial, que esteve recentemente no nosso País, recomenda “compaix?o e trabalho árduo”.

O mais importante – considerou – é n?o desistir sem sequer tentar, com o argumento de que a mudança é impossível. Jane Goodall, que passou 40 anos a estudar os chimpanzés na Tanzânia, sublinhou a relevância dos pequenos gestos, como seja alguém oferecer-se para passear um c?o que esteja num canil.

NÚMEROS

6711 - Número de animais abatidos por ano nos canis municipais, segundo informaç?o do Ministério da Agricultura.

1 milh?o - Número de animais que, segundo a presidente da Uni?o Zoófila, Margarida Namora, s?o, efectivamente, abatidos por ano nos canis municipais.

10% - percentagem de animais do canil de Loures adoptados num ano. Os outros 2250 foram abatidos

FÉRIAS FELIZES

N?o é nenhum bicho de sete cabeças – é possível gozar férias sem causar tormento aos animais de estimaç?o. Leia estas indicaç?es com muita atenç?o.

PERMUTAS

Fale com colegas, amigos ou familiares que também tenham animais e cuja data de férias n?o coincida com a sua. Tente fazer uma permuta: tome conta do animal do seu colega, vizinho ou amigo quando estes forem de férias e peça-lhes que façam o mesmo quando for a sua vez.

ANFITRI?ES

Pessoas que tenham condiç?es para cuidar de animais em sua própria casa de 1 de Julho a 15 de Setembro podem tornar-se anfitri?es dos bichos cujos donos v?o de férias. Basta ligar para os números 213424270/7/9 (Câmara de Lisboa) ou 214578413 (Liga para os Direitos do Animal).

NO AUTOMÓVEL

Se puder levar os animais de férias e viajar de carro, tenha em atenç?o que o animal deve ir no banco de trás, acompanhado ou devidamente acondicionado, para que n?o salte, e que as janelas devem estar abertas mas de modo a que o animal n?o ponha a cabeça de fora.

EMPRESAS

Caso tenha dinheiro suficiente recorra aos serviços de um hotel para animais ou contrate os serviços de uma das empresas que tratam deles em casa. Esta última é a melhor soluç?o, principalmente para os gatos, que n?o gostam de mudar de sítio e s?o muito ciosos do lugar onde vivem.

VIDA DE C?O (OPINI?O DE DULCE GARCIA, JORNALISTA)

Se tivesse um c?o seria um rafeiro, encontrado nalguma esquina sem memória ou descoberto a rondar a mesa do café, onde andaria a mendigar migalhas de bolo de arroz. N?o seria feio, nem bonito, e teria uns grandes olhos negros e profundos, daqueles que cont?m em si toda a doçura do universo.

Mas se tivesse uma raça, ent?o n?o seria comprado numa loja, a troco de meia dúzia de cheques datados, cada um com mais de duas casas decimais. Se tivesse um c?o, era ele que vinha ter comigo.

Porque eu n?o o queria e ele convencia-me do contrário. Vejo a coisa mais ou menos como no amor. A pessoa nunca está ? espera que lhe aconteça, pelo menos naquele dia, ?quela hora, com aquela pessoa.

Há uma certa tend?ncia pós-moderna para fazer do animal de estimaç?o um antídoto para aquilo que correu menos bem na vida. Os casais sem filhos arranjam um c?o e transferem para ele os cuidados extremosos que n?o quiseram ou n?o puderam dedicar a uma criança.

Os solteiros passeiam o c?o ? procura de companhia, mas sempre que um vulto do sexo oposto acena com a hipótese de um jantar romântico fecham-no na sala de estar e aparecem ao fim de tr?s dias, já na ressaca de um romance que teve mesmo, mesmo para dar certo.

Ou ent?o esquecem-se que passaram a ser tr?s, em vez de dois, e estranham que o parceiro se recuse a passar a primeira noite de amor com um c?o em cima da cama.

Depois há os que chegam a casa ? meia-noite, depois de 14 horas de trabalho, mas precisavam tanto de ter alguém ? sua espera que se esquecem de que o pastor alem?o precisa de espaço e é capaz de n?o ser muito feliz se o fecharem num apartamento. Ouço dizer que há cada vez mais gente que recolhe animais vadios. Fico contente por sab?-lo. Parece-me que n?o há grandes diferenças nos afectos.

Est?o sempre a dizer que devemos gostar dos outros como eles s?o, aceitar os seus defeitos, dar-lhes uma oportunidade. É isso que faz alguém que adopta um animal abandonado. Já quanto ?queles que encomendam uma c?o por catálogo, tenho as minhas dúvidas. Faz-me lembrar os casamentos por conveni?ncia. Fica tudo combinado. Mas n?o há amor. Por
Isabel Ramos

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